Peraí… como assim, 1 + 1 = 3? Tudo bem que somos de humanas, mas essa conta está certa?
Bem… para começar o nosso raciocínio, é preciso lembrar que a profissão do tradutor tem a fama de ser um ofício solitário; mesmo que cada projeto envolva uma equipe de tradutores (e de profissionais que exerçam atividades relacionadas, como a revisão e preparação de originais), é muito comum que cada um trabalhe em seu próprio canto. Inclusive, quando a pandemia da Covid-19 começou e muitos profissionais de outras áreas tiveram dificuldades para se adaptar à rotina do home-office, a nossa turma já sabia lidar com isso há muito tempo.
O questionamento desse artigo é o seguinte: trabalhar sozinho é algo bem tradicional na carreira da tradução. Mas será que tem que ser sempre assim?
“Será que todo dia vai ser sempre assim?” — QUEST, Jota.
Nós, os autores deste artigo, já trabalhamos juntos há muito tempo. Já fazia quase 15 que vínhamos tentando trabalhar assim porque sempre acreditamos que seria melhor para os dois, devido a vários fatores que estão elencados a seguir. E, em 2016 conseguimos definitivamente acertar os ponteiros e concretizar nosso desejo de finalmente trabalhar juntos.
Entrevistamos também, para esse artigo, Mônica Pires Rodrigues, tradutora e intérprete, e a Claudia Muller, também tradutora e intérprete em um bate-papo super animado e descobrimos MUITOS pontos de vista comum sobre o que é trabalhar em parceria. E também conseguimos alguns insights que vieram de outras carreiras onde essa modalidade de trabalho é a norma.
Trabalhar em dupla ou em parceria?
Primeiramente, conseguimos definir muito bem a diferença entre o que é trabalhar em dupla e o que é trabalhar em parceria. Tem diferença? Nós quatro chegamos a um consenso e decidimos que, tem sim!
“Trabalhar em dupla” é algo que acontece somente quando você tem que compartilhar o trabalho com outra pessoa que, não é necessariamente seu parceiro de trabalho. É um trabalho para o qual vocês foram escolhidos pela empresa ou agência contratante e que pode dar certo… ou não. É uma pessoa selecionada aleatoriamente para cumprir uma missão com você. E a execução dessa missão pode ser tranquila ou altamente conturbada.
No nosso caso, como tradutores e revisores, já fomos escolhidos para trabalhar no mesmo projeto com outros profissionais. Como exemplo, citamos a localização de um jogo de tabuleiro em que os esses outros colegas foram escolhidos para traduzir tradutores e nós ficamos como revisores. Montamos um grupo no Whatsapp, tínhamos diálogo aberto, discutíamos juntos as soluções possíveis para determinados textos, glossários e arapucas linguísticas e nada era encarado como crítica; sempre colocávamos a qualidade do projeto em primeiro lugar.
Só que nem tudo é um mar de rosas! Em outros projetos, alguns colegas viam o trabalho de revisão como crítica ou contestação; não tínhamos diálogo por nenhum meio e, em certos casos, acabou ficando aquele famoso “climão”.
Quando a equipe não consegue trabalhar em sintonia, a sensação é de estar em um ringue de luta livre mesmo.
A experiência das colegas da cabine
Nossas colegas da interpretação relataram algo semelhante. Elas disseram que, no trabalho de cabine, em eventos, há colegas que entram em contato antes do evento para prepararem um glossário em conjunto e estudarem o assunto da apresentação. Compartilha-se material, combinam-se os tempos que cada um vai falar e até os valores que serão cobrados. Já em outros casos, há pessoas que não gostam de se envolver. Não ligam muito para criar laços amistosos e, em certos casos, nem respeitam os colegas. Não há muita conversa na cabine e nem mesmo ajuda mútua. Se alguém se perder em algum termo, azar o seu!
Definimos também que parceria é algo que vem com o tempo. Quanto mais você conhece e confia no trabalho de certos colegas, mais numerosos são os frutos que podem ser colhidos dessa relação. O trabalho em parceria deve envolver confiança, respeito mútuo, comunicação clara e objetiva entre ambas as partes e principalmente abertura para poder fazer e ouvir críticas. Nosso trabalho como tradutores e/ou intérpretes é muito cansativo, o que leva muitas vezes a estresses físicos e mentais. Assim, poder contar com uma parceria que age como uma mão que nos socorre é sempre muito bem-vindo.
Ainda em nosso caso, onde trabalhamos na mesma empresa para certos projetos, nós acumulamos funções. Isso mesmo! Em muitos projetos, nós assumimos os papéis de secretária(o), contador(a), profissional de branding, marketing digital e criação de conteúdo, gestão de negócios e qualquer outra função que precise ser executada (e que hoje ainda não esteja preenchida por um membro do staff).
Só o café que cada um faz o seu, porque ainda não temos estagiários!
E observamos que, se não houvesse comprometimento, respeito e companheirismo, não haveria como essa parceria existir. Como já dissemos lá em cima, já fazia muito tempo que queríamos trabalhar juntos, mas o projeto só foi para frente quando nos demos conta que teríamos que seguir somente nós dois para que a coisa toda engrenasse. Entusiastas apareceram ao longo dos anos querendo se juntar a nós, mas acabava sempre acontecendo algo onde as coisas saiam do eixo e ficávamos sozinhos novamente. E olha que não foi uma e nem duas vezes!
Muito coincidentemente, Mônica e Claudia relataram a mesma coisa. As duas já têm uma parceria bem sólida, mesmo trabalhando em empresas e projetos diferentes. Indicam uma à outra em trabalhos, pois sabem da responsabilidade e compromisso. Estudam e compartilham material antes do evento, combinam o tempo de revezamento na cabine, salvam uma à outra com pesquisas imediatas bem no meio do “fervo” da cabine quando palestrante sai do roteiro, etc. Isso é parceria! Acudir o(a) colega no momento do aperto
Além disso, outra forma que elas encontram de “se salvar” na cabine de interpretação é pelo uso compartilhado de planilhas no Google Docs na hora da interpretação. Uma delas pesquisa e abastece a planilha e a outra usa, e vice-versa; Assim, vão se ajudando em uma parceria calcada na confiança.
No trabalho de tradução/revisão, pode acontecer o mesmo. Enquanto um traduz o texto principal, o outro pode efetuar as pesquisas mais elaboradas, por que não? Mas, a base deve ser a confiança na capacidade e poder de entrega do outro, como sempre. Outra possibilidade é oferecer a um possível contratante um “combo” de serviços; assim, em vez de vender somente a sua tradução, você pode já oferecer o serviço de revisão também — que será executado por um parceiro da sua confiança.
Buscando inspiração em outras carreiras
O trabalho em dupla não é algo novo. O trabalho já é feito nesses moldes nas agências de publicidade, por exemplo, no conceito conhecido como as duplas de criação: um diretor de arte trabalha com um redator. Duas cabeças pensam melhor que uma, sim! As ideias nem sempre surgem de imediato e é preciso uma atenção dobrada para analisar o brainstorm que vem do cliente.
Seguimos esse mesmo modelo de trabalho na nossa empresa, a Rook, pois temos a mesma formação em publicidade e marketing — e esse modelo tem dado muito certo.
Deu tão certo que resolvemos até mesmo adaptá-lo para dar aulas em dupla, por exemplo. No modelo que desenvolvemos, um dos membros da dupla pilota a apresentação e o outro dá auxílio aos alunos na realização dos exercícios e tira dúvidas no chat das plataformas de videoconferência, o que traz mais agilidade ao processo e permite atender mais alunos na mesma sessão. Até agora, recebemos elogios. Os alunos se sentem mais seguros e confiantes ao sair para o mercado já que praticaram bem e tiraram todas as dúvidas. Também já demos palestras e minicursos juntos em universidades como a USP de São Carlos, além de várias entrevistas para podcasts. Neste ano também estivemos juntos no Congresso Internacional da Abrates e no Barcamp de Tradutores e Intérpretes de São Paulo para falar das nossas experiências.
Outras vantagens
Além das vantagens agregadas que ganhamos com a parceria, como a confiança no trabalho um do outro, temos também outras vantagens que não vêm diretamente do trabalho com os textos. Com uma boa parceria, nós sempre contamos com apoio e o estímulo para poder continuar, e com a coragem que às vezes está escondida e que o parceiro te dá para tentar, além do apoio emocional nas horas necessárias. Esse é um fator muito importante, pois nem sempre estamos 100% para realizar um trabalho. Nessas horas, poder contar com um parceiro é um alívio mental muito grande.
Com isso, conseguimos expandir também o atendimento ao cliente oferecendo outros serviços como revisão do material e redação, por exemplo. Assim sendo, as negociações de valores podem trazer benefícios; mais serviços agregados normalmente resultam em melhores valores. Ganha a dupla e ganha o cliente também por conseguir um trabalho de qualidade e duplamente revisado!
É isso aí, parça!
Para concluir, quando o trabalho em duplas é realizado em forma de parceria (que agrega confiança, o incentivo e o respeito), há inúmeras vantagens. Claro, muitas vezes a imagem de que os tradutores e intérpretes trabalham isoladamente e sem contato nenhum, como se não precisassem de ninguém, ainda vai permanecer por um bom tempo. Isso pode acontecer, claro! Mas, quando achamos colegas dispostos a ajudar com trocas e quando formamos a parceira certa, temos a garantia de um trabalho mais otimizado e com maior qualidade.
Conheça nosso trabalho em parceria: www.rook.net.br
— Ivar Jr e Luciana Boldorini
Para saber mais sobre diversas perguntas que recebemos sobre as áreas de tradução, interpretação e revisão, leia este post.