Respondendo em uma palavra: não, não é tudo a mesma coisa. Mas até que é possível abrir uma exceção quando conversamos com alguém que seja leigo ou quando não precisamos nos ater muito aos detalhes de cada um desses trabalhos. Por isso, dependendo do seu interlocutor, frases como “eu traduzo websites”, “eu traduzo textos acadêmicos do português para o inglês” e “eu trabalho para uma empresa que traduz videogames” não são tão inadequadas, dependendo do contexto.

Por outro lado, quando estamos conversando com pessoas especializadas nas diferentes áreas da tradução, é sempre bom levar em conta que alguns dos trabalhos citados no título deste artigo (entre vários outros) têm diferenças significativas entre si. Por isso, vamos aproveitar este espaço para relembrar ou aprender o que cada um desses trabalhos envolve.

O nome genérico dado à atividade de passar palavras de um idioma para outro é tradução. Entretanto, nem tudo é simplesmente tradução! Veremos alguns termos que podem nos ajudar a entender melhor os diferentes ofícios do tradutor.

Vamos para algumas definições:

1. Versão

Verter um texto é transformá-lo do nosso idioma-mãe, o bom e velho (e lindo) português no nosso caso, e colocá-lo em outro idioma (árabe, japonês, italiano, etc).

Um exemplo seria pegar um livro de Machado de Assis e vertê-lo para o inglês. Tarefa árdua, com certeza, e que levaria um bom tempo para ser executada de modo a deixar o texto vertido à altura do original; mas a esse trabalho se dá o nome de versão.

No caso da versão, o profissional tem que ser proficiente nos dois idiomas, tanto no de partida, ou idioma de origem, quanto no de chegada, ou o idioma para qual o texto será vertido.

Claro, que o tradutor tem que ser mega-proficiente no idioma de chegada. É necessário estudar muito e estar sempre atualizado com as mudanças na língua, suas gírias (tanto as novas quanto as antigas) e as expressões idiomáticas.

Em termos de dinheiro, os valores cobrados para verter um texto e os valores cobrados para traduzir um texto são diferentes. A remuneração de um trabalho de versão costuma ser maior que a de uma tradução com o mesmo volume de texto. E uma coisa que percebemos em conversas com outros colegas é que nem todas as pessoas que fazem traduções gostam ou se sentem capazes de trabalhar com versões. Por isso, já deixamos a dica aqui: verter textos, embora tenha lá suas dificuldades, pode ser uma oportunidade muito rentável aos tradutores que decidirem se dedicar a ela.

2. Tradução

A tradução é o termo mais conhecido, pois todo profissional que faz versão, tradução ou localização é chamado de tradutor ou tradutora. Mesmo assim, a tradução é um termo genérico que não se aprofunda na diversidade de trabalhos desenvolvidos pelos tradutores.

Tradução é a decodificação de uma mensagem de uma língua de origem estrangeira para uma língua de destino materna. A tradução não é meramente sintática ou lexical: é uma atividade entre culturas, veiculada por meio da língua em seu registro escrito. 

Aqui, espera-se que o tradutor conheça muito bem os dois idiomas (de partida e chegada). Ainda assim, ser proficiente no português, em toda a sua complexidade e diversidade, é pré-requisito. Mais do que conhecer as palavras, o tradutor tem o dever de lapidar o texto traduzido de forma que a leitura fique agradável e fluida, sem se distanciar do teor e do conteúdo do texto original.

3. Localização

Certo, mas que raios é “localização”?

Na tradução, principalmente na tradução técnica, não há muito espaço para adaptações ou inventividade do tradutor em relação às expressões e termos. A localização, por sua vez, é um processo tradutório onde se deve deixar o texto mais palatável e mais atraente para o leitor, adequando-o também aos aspectos culturais e às expectativas que se tem sobre aquele texto. É preciso usar muita criatividade e é possível até mesmo se afastar consideravelmente do texto original, mas sem perder a sua essência.

Na localização o texto tem que estar mais próximo do leitor do que do texto original. E aqui incluímos coisas como datas, nomes, locais, gêneros, medidas e outros aspectos específicos do leitor que devem ser considerados na hora de fazer uma localização. Trazendo o exemplo mais para perto, aquilo que traduzimos para o português brasileiro deve ser relevante e estar próximo dos leitores de nosso país, pois é uma questão de identificação. 

No processo da localização é preciso considerar também aspectos culturais do local onde aquele texto, vídeo, filme, jogo ou aplicativo vai ser utilizado. Além das palavras, é preciso ficar atento com cores, tabus culturais, costumes, legislação, o tipo de humor que existe no local onde o texto vai ser consumido (e que tipos de humor não são aceitáveis) e até mesmo os memes que fazem sucesso na cultura da língua de chegada.

Exemplo: Nesta cena do filme Divertidamente, a referência ao esporte do hóquei no gelo precisou ser mudada (localizada!), considerando que esse esporte não é tão popular em outros países do mundo onde o filme será exibido.. É um exemplo que mostra que a localização vai além da linguagem e das palavras, envolvendo também a mudança de conceitos e de referências culturais e esportivas do público-alvo.

4. Transcriação

A teoria da transcriação teve origem nos anos 50 quando dois irmãos, Augusto e Haroldo de Campos, pensaram na tradução de outra maneira. Suas principais considerações foram “em torno da valorização da materialidade linguística, ou seja, de aspectos fônicos (sonoridade), grafia, e, principalmente, da disposição gráfica das palavras (ou parte delas) pelo branco da página.” (GESSNER, 2016)

Segundo o pesquisador Ricardo Gessner, “o principal objetivo da transcriação é a recriação do texto original na língua de chegada, ou seja, explorar os recursos articulados na língua de partida e reproduzi-los analogamente na língua de chegada. A partir da transcriação, vários autores até então ausentes no âmbito da língua portuguesa foram traduzidos, apresentados e inseridos no âmbito da discussão cultural.”

Um exemplo bem recente: Em Hotel Transilvânia, o petisco continha “scream cheese” (uma brincadeira com cream cheese), dado o tema assobrado do filme. Na transcriação, o tradutor André Bighinzoli abusou da criatividade e criou o “polengrito”, mantendo a essência temática.

5. Retrotradução

“Retrotradução é um processo usado primordialmente para a adaptação transcultural de instrumentos de pesquisa, especialmente questionários. Na retrotradução, uma primeira versão é traduzida de volta para sua língua fonte e essa retrotradução é então comparada com o texto original.” (COULTHARD, 2013)

A retrotradução é mais usada em instrumentos de pesquisa para averiguar a confiabilidade do texto. Não é muito comum um cliente direto pedir um trabalho como esse, exceto se for um cliente ligado a pesquisas, estudos, instrumentos de avaliação ou instituições. 

Fora do ambiente de pesquisas, a retrotradução pode ser uma opção para o tradutor examinar o seu próprio trabalho para poder aperfeiçoá-lo também.

6. Pós-edição

A pós-edição, também conhecida como MTPE (Machine Translation Post-Editing) ou PEMT surgiu com a disseminação e popularização dos tradutores automáticos — a famosa tecnologia de machine translation, que vem se tornando cada vez mais popular mas ainda tem um estigma entre uma parcela dos tradutores. Neste caso, os computadores fazem o trabalho pesado de traduzir as sentenças e o tradutor-editor vai lapidar esse texto posteriormente.

A pós-edição pode ter níveis. Grandes portais que hospedam lojas do mundo inteiro optam por uma pós-edição simples, enquanto outros clientes optam por edições quase humanas (com pesquisas mais profundas de termos, tradução de duplos-sentidos, piadas, sarcasmo, etc). Esse nível de pós-edição considera figuras de linguagem e aspectos socioculturais, fazendo com que o texto fique muito mais próximo do leitor final.

Esta modalidade vem atraindo muito os tradutores pela sua relativa baixa complexidade e giro muito grande de demanda.

Ou seja…

Como vimos, não é tudo a mesma coisa. Todas essas tarefas são campos diferentes nos quais os tradutores podem atuar para prestar serviços aos seus clientes. Que tal considerar alguma (ou várias!) delas para ampliar o seu leque de opções de trabalho?

Referências Bibliográficas:

Gessner, Ricardo. TRANSCRIAÇÃO, TRANSCONCEITUAÇÃO E POESIA. Cadernos de Tradução [online]. 2016, v. 36, n. 2 [Acessado 11 Abril 2022] , pp. 142-162. Disponível em: . ISSN 2175-7968. https://doi.org/10.5007/2175-7968.2016v36n2p142.

Coulthard, Robert James. RETHINKING BACK-TRANSLATION FOR THE CROSSCULTURAL ADAPTATION OF HEALTH-RELATED QUESTIONNAIRES: EXPERT TRANSLATORS MAKE BACK-TRANSLATION UNNECESSARY. Tese. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2013.

— Ivar Jr e Luciana Boldorini, Rook tradução.

Para saber mais sobre diversas perguntas que recebemos sobre as áreas de tradução, interpretação e revisão, leia este post.

Deixe um comentário

plugins premium WordPress