Em meio ao caos trazido pela pandemia, o ressurgimento da ciência com toda a sua pompa e glória como um meio de salvar vidas pode ser considerado um ponto positivo do momento difícil que estamos vivendo. Como disse a microbiologista Natália Pasternak, “negar a ciência mata”, e os mais de 500 mil brasileiros mortos nessa pandemia corroboram com essa afirmação. Há muito tempo a ciência não era tão polarizada como está sendo hoje, trazendo de volta ideias já refutadas como a do britânico Samuel Shenton de que a terra é plana, assim como a não diferenciação entre vírus, bactérias e protozoários, entre outros absurdos.

Do outro lado da força, os EUA investiram mais de BRL 50 bilhões na produção de vacinas, seguidos pela União Europeia, com mais de BRL 3 bilhões, e por vários países como a França e a Alemanha, que olharam para o futuro e rapidamente enxergaram a importância da imunização para conter um inimigo em comum, o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2). Todo esse investimento tem estimulado a indústria farmacêutica, universidades e centros de pesquisa ao redor do mundo a revolucionar o ciclo de pesquisas com muito dinheiro (para a indústria) e muitas noites sem dormir (para os pesquisadores) para conseguir resultados rápidos, a tempo de salvar vidas.

Tudo isso reflete no mercado da tradução médica, com um crescimento expressivo da demanda por tradutores especializados em uma área que só tende a se expandir, pois apesar de já termos vacinas, ainda enfrentamos os desafios do surgimento de variantes cada vez mais perigosas, de variações na eficácia, de efeitos colaterais e do uso da vacina em algumas faixas etárias.

Precedentes científicos

Vamos analisar alguns dados de três doenças virais que também assolaram a humanidade.

A varíola causou cerca de 300 milhões de mortes no século 20 e é considerada a única doença viral erradicada no mundo. Sua primeira vacina foi desenvolvida em 1796 e o último caso foi detectado em 1977, na Somália.

O agente causador do sarampo foi identificado em 1953, a vacina foi validada em 1963, e os últimos casos da doença foram registrados no Brasil em 2000. Em 2018 o sarampo voltou a ser detectado por causa da resistência de alguns grupos ao uso da vacina.

O primeiro caso de AIDS foi registrado em 1981, mas o vírus HIV só foi identificado como agente causador em 1984, depois que milhares de pessoas já haviam contraído a doença. Nos anos 90 surgiram os primeiros tratamentos para controle da doença, mas até hoje não existe cura ou vacina.

Dessas informações podemos destacar alguns dados importantes. Somente uma doença viral foi erradicada no mundo, outra levou quase 40 anos para ser erradicada e voltou em 18 anos por causa do mau uso da vacina, e é extremamente difícil conseguir a cura de uma doença viral. Ou seja, ainda temos um longo caminho pela frente com a COVID-19, uma doença global que vai precisar de muitas pesquisas e traduções, não só diretamente relacionadas com vacina e tratamento, mas também com etiologia, métodos diagnósticos rápidos e de baixo custo, sequelas e doenças mentais relacionadas. Além disso, a valorização da ciência em alguns países, provocada pela necessidade de soluções emergenciais para conter o SarsCoV-2, levou a um aquecimento importante da pesquisa científica de forma geral em todo o mundo, tanto na área de saúde quanto em outras áreas.

O mercado da tradução médica no Brasil

Todos os tradutores sabem que o ideal é somente traduzir de outros idiomas para a sua língua materna, e grandes agências ao redor do mundo só contratam tradutores nativos da língua de chegada. Certo? Depende. Nesse sentido, há muita demanda da indústria farmacêutica e de equipamentos e da área editorial, mas na área de pesquisa científica a demanda no Brasil é diferente.

Dois fatores influenciam essa diferença. Vivemos linguisticamente isolados em um país continental onde, segundo uma pesquisa do British Council, somente 5% da população fala inglês, com apenas 1% sendo fluente. Costumo dizer para os meus alunos e mentorados da área médica que somos a cereja do bolo, a última bolacha do pacote, extremamente privilegiados por sermos a pequena parte desse 1% que traduz na área científica nesse momento de mudança de paradigmas. Também devemos considerar que os pesquisadores geralmente não estão incluídos nos 5%, ou seja, poucos cientistas brasileiros dominam o idioma suficientemente bem para escrever em inglês ou para traduzir seus próprios artigos, além da grande maioria precisar que artigos de outros autores publicados em inglês sejam traduzidos antes de serem usados como referências. E nisso está baseado o mercado da tradução de artigos do inglês para o português, na tradução de artigos para leitura.

Porém, mesmo com cortes de quase 20% para as universidades federais e verba reduzida pela metade para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações no intuito de diminuir o déficit nas contas públicas, ainda tivemos mais de 70 mil projetos de pesquisa e quase 30 mil de extensão em 2020. Mesmo com universidades sucateadas, os pesquisadores brasileiros conseguem produzir ciência de qualidade em várias áreas do conhecimento, notadamente na área de saúde. E todos os artigos publicados fora do país precisam de tradução para o inglês, bem como a maioria dos resumos publicados no Brasil.

Um mercado de portas abertas

Juntando tudo que foi elencado até aqui, já deu para perceber que temos um mercado que só tende a crescer, o da tradução português – inglês de artigos científicos, e entrar nesse mercado está ficando mais fácil considerando que temos cada vez mais cursos na área. Alguns deles são o curso livre de tradução médica do TRADUSA, com carga horária de 64 h e que tem uma matéria exclusiva de tradução de artigos científicos, a pós-graduação em tradução especializada na área de saúde do Centro Universitário São Camilo, com 360 h, o curso livre de Introdução à tradução de artigos científicos da área médica da CULT (Central Universitária de Língua e Tradução), com 3 h, os cursos da Escola de Tradutores de tradução médica e de tradução de abstracts, entre outros.

Nota do editor: a CULT e a São Camilo oferecem desconto para todos com o uso do código TRANSLATORS101, o TRADUSA oferece desconto para assinantes Premium da Translators101 

É claro que é mais fácil para quem tem formação na área de saúde, pois existe uma maior familiaridade terminológica e facilidade para entender o que se traduz, mas não é essencial. Por exemplo, eu sou médica veterinária especialista em cães. Hoje o que eu mais traduzo é cardiologia humana e animais de produção, principalmente bovinos, além de Covid-19. Já traduzi artigos sobre sarcoma em gambás, fertilidade de formigas, fezes de pirarucu, ossos de garças-vaqueiras, laringe de tamanduás. Podem rir. Já passei um dia estudando a estrutura do cérebro infantil para traduzir menos de duas mil palavras sobre uma doença genética rara, já tive pesadelos por causa das fotos de uma pesquisa sobre câncer de mama em moradoras de rua e aumentei consideravelmente minha ingestão de vinho no primeiro ano da pandemia. Foram mais de 200 artigos sobre Covid-19 em 2020. Precisei de terapia para não entrar em depressão por excesso de trabalho e de informações em primeira mão sobre o que estava por vir.

Minha formação em medicina canina adiantou alguma coisa? Muito pouco. A tradução médica exige estudo, dedicação, prática, comprometimento e, muitas vezes, nervos de aço. Em 2021 resolvi que precisava de ajuda e treinei uma colega com nenhuma formação médica na tradução científica, hoje repasso para ela aproximadamente 30% da minha demanda e recuperei minha qualidade de vida.

Como começar

Uma dica é começar pela tradução de resumos. Quem pensa que aquelas 300 palavrinhas são moleza muito se engana. Para traduzir o resumo o tradutor precisa pesquisar o mesmo tanto que para traduzir um artigo inteiro, pois esse pequeno texto é dividido exatamente conforme o artigo em introdução, método, resultados e conclusões. Além disso, os prováveis primeiros clientes são invariavelmente estudantes, que não têm como pagar o tanto que o trabalho vale. Mas é uma escola e não vale escolher assunto, aceite o que a vida mandar e aproveite para aprender. A chance de um erro de tradução em um resumo de monografia ou TCC causar algum dano é praticamente zero, muito diferente de artigos, bulas e ensaios clínicos.

Gostou da área? Faça mentoria e cursos, entre em grupos nas redes sociais, siga profissionais respeitados na área. Assista palestras, há várias sobre tradução médica na Translators 101 e muitos congressos estão sendo online. Junte certificados para incrementar o seu currículo. E quando sentir-se confortável, participe de grupos de discussão e pense em dar as suas próprias palestras. Associe seu nome à tradução de medicina. Indicações de colegas e de clientes são ouro puro no mercado da tradução. Crie a sua rede de conexões e de apoio. É um caminho longo, mas que pode começar agora.

Referências

https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2020/12/4894660-grafico-mostra-tempo-que-humanidade-levou-para-criar-vacinas-e-recorde-para-covid-19.html

https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/brasil-vacina-menos-e-tem-volta-de-doencas-erradicadas/

https://www.bbc.com/portuguese/geral-53049618

https://www.bbc.com/portuguese/geral-55354546

https://www.boasaude.com.br/artigos-de-saude/3838/-1/historico-da-aids-uma-historia-de-lutas-decepcoes-guerra-de-vaidades-e-coragem.html

— Luciana Bonancio

Para saber mais sobre diversas perguntas que recebemos sobre as áreas de tradução, interpretação e revisão, leia este post.

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