Entrevistamos nossos três próximos palestrantes Cláudia Mello, Petê Rissatti e Carolina Coelho. Os três se especializam em tradução literária e já trabalharam com dezenas e até centenas de obras em suas carreiras, mas cada um trilhou um caminho diferente para se estabelecer na profissão.
Cláudia Mello
Cláudia Mello é uma tradutora com muita experiência em livros de jovens adultos e obras voltadas ao público LGBT. Ela fez parte da diretoria da Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes de 2012 a 2014, quando a associação se tornou mais atuante.
1. Você foi diretora da Abrates e agora faz parte novamente da diretoria. Qual é a importância das associações de tradutores para o tradutor iniciante? Como participar de uma tão cedo pode ajudar ou até ser definitivo para o início da carreira?
Acho que o tradutor iniciante pode se beneficiar de várias maneiras. Networking, descontos em cursos, palestras e congressos, plano de saúde com preço acessível, seguro de vida, facilidade de câmbio para receber pagamentos do exterior. Acima de tudo, o programa de mentoria da Abrates é sensacional para quem está começando ou retornando à profissão. Imagina só ter um mentor totalmente dedicado a você, com o objetivo de dar dicas, sugerir caminhos e orientar no início da profissão. Isso não tem preço!
2 . Qual foi o trabalho que alavancou sua carreira ou teve um papel muito importante para que você se colocasse no mercado de trabalho com certa estabilidade? Quais foram as partes mais importantes do seu trajeto até conseguir este trabalho?
No meu caso, não houve um trabalho específico que tenha alavancado minha carreira; foi uma sequência de etapas que foram me preparando e acabaram demonstrando às editoras que eu era uma tradutora capacitada. Foi uma mistura de comprometimento, qualidade, cumprimento de prazo, rapidez, capacidade de seguir as regras e modelos das editoras e forma de lidar com as pessoas.
Mas é claro que houve alguns marcos. Por exemplo, A arte de ser normal, de Lisa Williamson (editora Rocco), veio parar nas minhas mãos porque a editora sabia que eu tinha sensibilidade suficiente para traduzir um livro com protagonista trans. Temporada dos ossos, de Samantha Shannon (editora Rocco), foi um livro que exigiu muita pesquisa sobre videntes, além de criatividade para recriar a terminologia inventada pela autora. O jogo do amor e da morte, de Martha Brockenbrough, (editora Verus), também exigiu sensibilidade por tratar de racismo no início do século XX. Foi importante assumir a tradução da famosa série dos irmãos Maddox, de Tammara Webber (editora Verus). Até as leitoras que são fãs da série ficaram felizes quando a tradução veio para as minhas mãos.
Enfim, esses livros – e muitos outros, na verdade – foram marcos porque ajudaram a me aprimorar e a construir uma reputação.
Petê Rissatti
Petê Rissatti é um tradutor que iniciou sua carreira com traduções técnicas antes de se envolver com a área literária. Ele participou de um projeto na Suíça chamado Casa Looren junto com Cláudia Mello e tradutores de outros países, onde traduziram um livro e trocaram experiências.
1. Qual a importância de se fazer um curso que inclua tradução, seja ele uma graduação, pós ou curso livre? Como um curso pode fazer diferença prática para a entrada de um tradutor no mercado de trabalho?
Como egresso de um curso de Letras com habilitação em Tradução e Interpretação, não tenho como responder diferente: cursos de tradução, sejam eles em nível de graduação, pós ou mesmo cursos livres, direcionados, são essenciais para uma prática melhor do tradutor. Em primeiro lugar, em cursos nós temos visões profissionais diversas, tanto dos professores e instrutores quanto dos colegas, e quanto mais diversidade melhor quando estamos em formação.
Ter esse contato com pessoas mais e menos experientes nos traz uma amplidão de compreensão do ofício, dos deveres e direitos do profissional, das responsabilidades envolvidas na tradução que sozinhos demoramos a alcançar. Sou um adepto dos cursos, atualmente sou professor em um curso de pós-graduação, mas também sou aluno em diversos momentos, em cursos livres, palestras, oficinas, pois acredito que faça parte do ofício do tradutor ser um aluno eterno. Acredito que tenha que ser da natureza do profissional da tradução querer aprender sempre, cada vez mais, explorando as possibilidades do nosso trabalho ao máximo. Sempre comento com colegas e alunos: tenho mais de duas décadas de lida com texto, mais de uma década de lida com a tradução em si, e todos os dias eu aprendo alguma coisa com a minha profissão. Todos os dias eu busco aprender alguma coisa com ela, seja durante o trabalho ou com outros colegas, em cursos e palestras, sejam eles presenciais ou não.
Falando sobre mercado de trabalho: os cursos, palestras, oficinas e afins são a melhor maneira de conhecer outros profissionais, reconhecê-los, entender como esses profissionais funcionam. Nos cursos, obviamente, há muito mais iniciantes, aspirantes a tradutor, porém também há gente que já deu os primeiros passos na profissão, gente em meio de carreira e também profissionais experientes que pretendem reciclar conhecimentos, ouvir outras vozes, aprender. Essas ocasiões são perfeitas para se ampliar nossa rede de contatos, fazer o tal “networking”, nos colocarmos à disposição dos colegas que possam, no futuro, precisar de nossos serviços. Já se foi o tempo em que o tradutor podia ficar encastelado em seu mundo (o escritório) que os trabalhos choviam; o mundo da tradução está cada vez mais competitivo, e mostrar interesse pelo seu desenvolvimento, pela sua atual conjuntura, pode ser um fator determinante para se destacar profissionalmente.
2. Você começou como tradutor técnico. Como trabalhos de tradução em outras áreas podem contribuir para a carreira de alguém que busca a área literária?
Para falar a verdade, no início do meu trabalho como tradutor editorial (um termo mais genérico que engloba ficção e não ficção), minha experiência pregressa com tradução técnica não me ajudou muito. A tradução técnica exige mais rigor terminológico, por exemplo, e menos inventividade, liberdade e margens para interpretações. Por mais que também seja uma releitura e haja níveis grandes de intervenção e interpretação na tradução técnica, essas intervenção e interpretação são menores. Levou um tempo até eu entender esse fato, por isso meus primeiro livros traduzidos são bem “grudados” no original, menos por respeito ao autor e mais por um hábito das traduções jurídico-contratuais, em que há uma terminologia cristalizada, um jeito de falar muito próprio, de organizar pensamento dentro do texto e de seguir o que está “no papel”.
Por outro lado, a tradução técnica me ajudou em muitos momentos, principalmente no que tange à pesquisa. Conhecer os meandros de uma área muitas vezes pode ajudar dentro de uma tradução; no meu caso, em alguns momentos, apareceram advogados nos livros que traduzi, gente que fala diferente, que tem uma dicção própria e usa uma terminologia própria; sempre há um delegado, um policial, e aí a proximidade com a terminologia jurídica me ajuda a compreender o que está acontecendo numa cena. Um livro em especial trouxe essa questão: O caso Collini, de Ferdinand von Schirach, que ainda não foi publicado. Tive ajuda de um querido colega advogado em vários momentos desse livro, pois é um “livro de tribunal”, algo que foge totalmente à minha área de conhecimento. Aí que conhecer profissionais de outras áreas, muitos deles tradutores, faz a diferença na hora de traduzir literatura ou mesmo não ficção. E estudar as áreas pelas quais temos mais apreço ou cujas oportunidades aparecem com mais frequência para nós também é importante. Aí voltamos à sua primeira pergunta: estudar tradução e tudo que está em torno dela é importante para ser um profissional melhor – e, por sua vez, requisitado.
Carolina Coelho
Carolina Coelho foi a tradutora do livro Jogador Número 1 para o português e hoje se especializou em book publishing com um MBA.
1. Você concluiu recentemente o MBA em Book Publishing. Como a experiência em outras áreas do ramo editorial pode ajudar alguém que busca se estabelecer na tradução literária?
Fazer o MBA em Book Publishing me colocou em contato com inúmeros profissionais de outras áreas da cadeia do livro. Foi uma experiência muito interessante porque aprendi muito com meus colegas de turma sobre o que se espera que um livro cumpra quando é comprado para publicação. Para o tradutor, acredito que saber como é o processo de revisão e de edição, principalmente, é muito importante. Traduzir já acertando padrões que a editora utiliza no texto, por exemplo, poupa trabalho e tempo do preparador e revisor. Entender, pelo menos um pouco, do que faz o preparador, o revisor e o editor, ajuda o tradutor a nortear seu trabalho de modo a minimizar problemas para a etapa seguinte da produção.
2. Quais ideias e vontades você tinha no início de sua carreira ou estudos sobre tradução, e como elas mudaram com o tempo até chegar às suas concepções de hoje?
Muitas ideias foram sendo transformadas ao longo do tempo, porque a experiência inevitavelmente vai trazendo mais a “realidade” da profissão. Perceber que o tradutor trabalha muito melhor quando a equipe da editora está aberta à comunicação foi uma das ideias mais transformadas e transformadoras. Apesar de ainda haver muito espaço para as relações serem melhores, foi ótimo perceber que o tradutor não precisa (nem deve) ser alguém solitário durante o trabalho, cuja participação na publicação de uma obra termina na hora de entregar o arquivo.
Quanto às vontades, elas estão ligadas à mudança de ideias: Hoje tenho vontade de ser uma tradutora cada vez mais “por dentro” do livro conforme ele segue seu caminho e passa pelas etapas até chegar às mãos dos leitores. Felizmente, cada vez mais editores têm percebido a importância da troca de ideias entre os envolvidos. Que as coisas continuem assim.
— Bhernardo Viana
Para saber mais sobre diversas perguntas que recebemos sobre as áreas de tradução, interpretação e revisão, leia este post.