
Um lançamento simultâneo é algo muito desafiador. A tradução literária por si só é uma atividade bastante complexa. O tradutor precisa se debruçar sobre o manuscrito e encontrar soluções para os desafios que se impõem tanto na língua de partida quanto na de chegada. Quem nunca traduziu uma frase com a qual não ficou satisfeito e, do nada, voilà, a solução surgiu quando menos se esperava?
Uma boa tradução envolve não apenas a formação do tradutor ou ótimo conhecimento de línguas. Muitos esquecem, mas, como todos nós, o tradutor é um ser humano que enfrenta inúmeras adversidades e tem a mente cheia de questionamentos e listas de afazeres. É uma pessoa que precisa se organizar e entender que rotina de trabalho atende melhor às suas necessidades para manter a produtividade dentro do desejado.
O que acontece, então, quando o tradutor abre seu e-mail e se depara com a pergunta que pode fazer tudo isso cair por terra? Por ser editora, em geral sou a responsável pela temida e tão aguardada proposta: “Oi! Topa participar da tradução desse lançamento simultâneo?”
Por que nem todo livro tem lançamento simultâneo?
Um lançamento simultâneo é sempre um desafio. Contudo, também é muito gratificante, porque envolve livros muito aguardados pelo público, e, no fim do projeto, temos muito orgulho de ter ajudado a tornar aquilo real para tantas pessoas.
Um ponto importante a ser mencionado é que lançamentos simultâneos devem ser exceções. É um processo extremamente desgastante para todos os profissionais, uma verdadeira força-tarefa. No geral, determina-se que a obra terá lançamento simultâneo de acordo com alguns critérios: a expectativa dos leitores, o timing mercadológico, o investimento financeiro da editora para adquirir os direitos de publicação, os recursos disponíveis para remunerar os colaboradores e a disponibilidade do manuscrito para dar início à tradução.
O processo editorial de um livro traduzido envolve diversas etapas. Restringindo-nos ao texto, facilmente conseguimos pensar no mínimo em tradução, copidesque e/ou preparação e revisão. São etapas que comumente acontecem de forma linear, e é sempre bom lembrar que quanto mais processos, mais tempo é necessário para realizá-los. A grande problemática do lançamento simultâneo é que todos os processos precisam acontecer praticamente ao mesmo tempo — e no menor prazo possível.
Para quem já leu o básico sobre gestão de projetos, parece uma equação fadada ao fracasso, com o pilar da qualidade prestes a desmoronar. Com muitos processos acontecendo concomitantemente e em menos tempo, os riscos de se ter um livro de baixa qualidade é alto. É aí que entra o editor: com a coordenação da produção, contratação dos colaboradores mais adequados, elaboração do cronograma, acompanhamento de tudo e reajuste dos processos, decidindo e, é claro, assegurando-se da qualidade do texto. Avaliar o número de tradutores necessários e escolhê-los a dedo é, sem sombra de dúvida, a etapa-chave: sem tradutores qualificados e comprometidos, o projeto já começa destinado à mediocridade.
Antes de aceitar, avalie as condições do trabalho
Recentemente, coordenei um projeto com lançamento simultâneo que tem se destacado nas listas de mais vendidos. Foi bastante desafiador conduzir a chegada de Sol da meia-noite ao Brasil, o novo livro da saga Crepúsculo.
Em casos como esse, os editores estrangeiros — o que inclui nós da Intrínseca — ficam sabendo de tudo muito próximo do lançamento da edição americana, para minimizar riscos de vazamento. Tudo se torna, então, uma corrida contra o relógio. E no caso de Sol da meia-noite ainda havia outra questão (nada simples)… a pandemia de COVID-19.
Rezar para que o manuscrito chegue logo (sério!), traçar um cronograma possível, alocar a verba e escolher os colaboradores que farão o projeto dar certo são pontos críticos, assim como é essencial ser flexível e ágil ao ajustar os processos de acordo com o andamento e avaliar a qualidade do texto, para garantir que, no deadline, teremos um livro de qualidade.
Os tradutores estão na fase inicial do projeto, são a pedra angular de um lançamento simultâneo. Por isso, se você é tradutor e um dia pretende participar dessa corrida maluca, saiba o que deve levar em conta antes de responder àquele e-mail com um belo “sim”.
Preste atenção especial aqui:
- Prazos: os editores calculam o prazo de tradução a partir de uma base de produção diária. No entanto, um lançamento simultâneo envolve muita pressão e correria. Avalie se você acha possível cumprir as entregas estabelecidas, que provavelmente serão várias, e inclua sempre algum tipo de imprevisto. As etapas editoriais são concomitantes à tradução, então o atraso do seu bloco de capítulos pode fazer tudo sair dos eixos.
- Nível de dificuldade do texto: considere o nível de dificuldade do texto original. Por mais que você ainda não tenha acesso ao manuscrito, visto que esses lançamentos requerem extremo sigilo, pesquise sobre o autor ou a autora e sobre outras obras já publicadas. Além disso, o manuscrito pode apresentar questões específicas, como fazer parte de uma série ou a história ser de um universo já publicado. Essa padronização pode demandar mais tempo.
- Valores: a tradução de um lançamento simultâneo acontece muito rápido. Então, sempre cabe uma taxa de urgência, já que também é possível que a tradução adentre seus fins de semana. Leve em conta o valor base da sua lauda e verifique se há algum percentual correspondente à taxa de urgência. Se achar o percentual baixo, veja se é possível negociar um aumento. Talvez não seja, mas perguntar (com educação) não ofende.
- Cotradução: lembre-se de que o livro será traduzido por diversas pessoas e que não haverá tempo para qualquer tipo de aprovação dos tradutores. As decisões finais em relação ao texto serão do editor. Avalie se isso pode se tornar uma fonte de estresse para você.
Por que não eu?
Algo que muitos tradutores podem se perguntar é: por que escolheram aquelas pessoas para esse projeto? Em lançamentos simultâneos, o editor tem pouquíssimo tempo para finalizar o projeto e precisa se assegurar da qualidade do produto final. Sendo assim, a escolha dos profissionais é norteada pela confiança. São pessoas em cujos trabalho e profissionalismo o editor confia de olhos fechados. Esse tipo de lançamento envolve incontáveis etapas de bastidores, portanto, o editor não tem energia sobrando para desconfiar da qualidade do texto que será entregue, do cumprimento de prazo e do comportamento do colaborador em relação à discrição que o projeto exige.
Sendo assim, é comum que as editoras trabalhem com colaboradores de muitos anos, seja em lançamentos simultâneos ou comuns. É uma relação de longo prazo que precisa ser construída. Por isso, seja sempre honesto com o editor e encare problemas de prazo de frente, evitando levar questões para o lado pessoal. Muitas vezes, o trabalho dentro de uma editora é corrido, e as equipes são bem pequenas. Por isso, se houver algum mal-entendido, escreva para a pessoa que contratou seu serviço e tenha uma resposta oficial. Não crie pressupostos, pois dificilmente você vai acertar o que está acontecendo. A Cláudia Mello Belhassof escreveu alguns textos aqui que podem ajudar você a entender alguns destes aspectos.
Colocou tudo na ponta do lápis? Então, mãos à obra!
Antes de começar a tradução, é provável que você precise assinar um NDA (non disclosure agreement), isto é, um termo de confidencialidade. Os editores estrangeiros, assim como o brasileiro que te contratou, precisam se certificar de que você não vai compartilhar o manuscrito com ninguém, nem contar nenhum detalhezinho da história. Esses livros costumam ser altamente sigilosos, então leia com atenção o documento e respeite as instruções do NDA, incluindo a forma de envio de arquivos. Afinal, ninguém quer ser o responsável por um vazamento de informações, né?
Ao receber o manuscrito, siga as instruções passadas pelo editor e se atente à sua parte da tradução. Claro que sempre vale um CTRL+F para checar algo da história e sanar alguma dúvida, mas tome cuidado para não confundir seu capítulo e acabar traduzindo a parte de outro tradutor. Imagina a confusão! Em caso de dúvida, seu oráculo é o editor.
Quero falar com o autor
Nunca entre em contato direto com o autor do livro— você desrespeitará uma cadeia de transmissão de informações e ainda poderá criar um constrangimento entre agentes e editores nacionais e estrangeiros. Se quiser entrar em contato com os outros tradutores do livro, converse com o editor. É bem comum que ele mesmo crie alguma forma de todos os tradutores compartilharem padronizações e dúvidas. Se achar melhor, mande e-mails diretamente para o editor com uma compilação das suas questões e/ou as sinalize no arquivo de Word, de preferência nos comentários. (Não deixe de reunir tudo. Já pensou receber cinquenta e-mails de dúvidas?)
Mas saiba que nem sempre o editor terá respostas na hora, e não se trata de descaso. Infelizmente, um departamento editorial não para por conta de um lançamento simultâneo, então o mais provável é que ele se debruce sobre a sua questão em um momento posterior e se responsabilize pela solução.
Acho importante repetir: respeite a divisão dos capítulos, porque tudo é pensado estrategicamente. Se tiver qualquer problema com o prazo, entre em contato com o editor, pois só ele pode rearranjar o cronograma de modo a não deixar o trem descarrilar. Caso não seja possível reajustar, um aviso importante: se precisar se retirar do projeto já iniciado, tudo bem, o editor vai levar em conta a forma como você fez isso. Portanto, não procrastine o momento de se desligar do projeto, mesmo que seja difícil. Quanto mais tarde o aviso, pior para o editor. Demonstre respeito e preocupação com o projeto. Não deixe buracos. Agindo assim, tudo dará certo.
Traduzi. E agora?
Ao entregar a tradução e finalizar sua participação no projeto, não se esqueça de que uma série de etapas ainda acontecerão até o lançamento do livro. Mantenha o sigilo, respeite o NDA, siga as instruções do editor sobre os arquivos da tradução, preste atenção no que fala nas redes sociais e, principalmente, tenha paciência até a data de lançamento. Se você está ansioso, imagina os profissionais que seguem trabalhando no projeto.
É importante pontuar que um livro é um trabalho em conjunto, tanto dos colaboradores externos quanto da equipe da editora. Por mais que você tenha se empenhado, um texto sempre é passível de mudanças. Não se apegue ao texto que traduziu ou acredite que ele é irretocável. São as outras etapas editoriais que darão mais uniformidade ao texto traduzido a tantas mãos.
Lançamento simultâneo é um trabalho coletivo
Lembre-se ainda de que além de ter havido vários tradutores, por vezes os próprios editores precisam traduzir trechos — principalmente se a tradução foi feita a partir de um manuscrito não final. Editores também estudam tradução e estão habilitados a fazer essas intervenções. Nos casos de lançamento simultâneo, o processo editorial vai se costurando. A cada nova etapa, um novo olhar lê blocos maiores do texto, até chegar a olhares que trabalharão nele integralmente e o lapidarão, concluindo a uniformização. Preparadores, revisores, editor e assistentes podem cuidar disso. Cada projeto terá sua própria estratégia e cada um desses profissionais tem seu papel nessa corrida contra o tempo. E sabe o que é mais legal? No fim, somos todos donos de um pedacinho do livro que chega à casa de tantos leitores apaixonados.
Será que deu para ter uma ideia de quais são os desafios de se traduzir um lançamento simultâneo? Espero que sim! Se essa for sua praia, invista nas relações de longo prazo com os editores e mostre sua qualidade textual e seu comprometimento com os prazos. Fico aqui torcendo para que em breve o temido e aguardado e-mail chegue a sua caixa de entrada!
— Suelen Lopes
Para saber mais sobre diversas perguntas que recebemos sobre as áreas de tradução, interpretação e revisão, leia este post.