Quem de nós nunca passou por situações, especialmente em grupos de tradutores nas redes sociais, nas quais uma palavra colocada de forma impensada levou a discussões homéricas? Aqui está outro ponto que poderia estar presente em cursos de tradução: uma vez que estamos sempre usando nossas habilidades de comunicação em nossos trabalhos, por que não desenvolver a Comunicação Não Violenta e termos essa grande aliada para nosso bem-estar e saúde mental? Confiram o texto de Priscila Stuani, nossa palestrante sobre CNV.
Comunicação Não Violenta: como estabelecer relações empáticas
Você já teve a sensação de que falou algo e depois se deu conta que poderia ter falado com outras palavras ou que poderia ter conduzido a situação de outra maneira, que a princípio parecia simples, mas que a partir da sua fala a conversa foi direcionada para outro rumo não tão produtivo?
Isso pode acontecer diariamente se não mantivermos a atenção em nossa forma de comunicar, inclusive na comunicação verbal e não-verbal.
Uma das capacidades que torna a raça humana especial é justamente a habilidade de se comunicar. No entanto, quando a comunicação é imprecisa ou desarticulada, pode acarretar prejuízos.
Nesse contexto, onde precisamos desenvolver nossa capacidade de nos comunicarmos de modo mais assertivo e eficiente, surgiu a Comunicação Não Violenta, também conhecida como CNV, que foi criada por Marshall Rosenberg, doutor em psicologia e educador, em 1984, com o objetivo de possibilitar meios para que as pessoas possam se comunicar de maneira “eficaz” e “empática”.
Para isso, é fundamental evitar o uso de manipulações, como apelar à culpa, vergonha ou medo, evitando coerção e ameaças e, em casos mais críticos, chantagens.
Vale a pena mencionar que um dos princípios fundamentais da CNV é conseguir manter uma comunicação livre de julgamentos morais, que evita recriminar o outro e que se expressa mais de si e dos próprios sentimentos do que das ações do interlocutor.
Traduzindo em miúdos, a CNV recomenda que ao invés de dizer “o que você fez é errado!”, você se aproprie de uma fala empática. Nesse exemplo que comentei, uma abordagem apoiada na CNV é dizer “eu me sinto mal quando você faz isso”.
Escuta ativa e empatia
A “escuta ativa” e a “empatia” também são das principais ferramentas da comunicação não violenta. Elas se baseiam na expressão de sentimentos e na ideia de que as suas necessidades não podem ser atendidas às custas dos outros.
O CNV influencia todas as áreas de nossas vidas, mas o que é mais relevante é a maneira como nos tratamos. Ser excessivamente autocrítico, por exemplo, nos impede de ver a beleza que temos dentro de nós e nos faz perder nossa conexão com a energia divina que é nossa fonte.
Rosenberg diz que conforme as pessoas se avaliam, elas tendem a condenar seus erros diariamente e, consequentemente, sofrem antecipadamente. Essas ações tendem a criar uma rede de ódio contra nós mesmos. No entanto, devemos ter em mente que nossos erros servem também como grandes fontes de aprendizado. Vale mencionar que, segundo o autor, quando desenvolvemos nossa empatia, aumentam nossas chances de nos perdoar.
As próprias situações da vida às vezes tentam nos culpar e isso pode nos afetar negativamente. Diante disso, chatear-se faz parte do processo, mas é preciso cuidar de si mesmo independente do que acontecer, o que nos remete a outra questão apontada por Rosenberg, a autocompaixão. Para ele, “autocompaixão tem a ver com o fato de tomar decisões motivadas por nosso desejo de contribuir para a vida, não por medo, culpa, vergonha, dever ou obrigação”.
Mas como podemos praticar a CNV e não agirmos de forma tão reativa?
“Devemos livrar nossa mente dos pensamentos que associamos a outras pessoas quando sentimos raiva, porque esse tipo de pensamento nos faz expressar nossa raiva superficialmente, culpando ou punindo a outra pessoa.” M. Rosenberg
Para expressar sentimentos, como a raiva por exemplo, você precisa compreender que ninguém é mais responsável pelo seu sentimento do que você mesmo.
As ações dos outros podem atenuar a forma como você se sente, mas não estão fazendo com que você se sinta bem ou mal. A causa, por sua vez, está ligada a pensamentos, ideias de culpa e julgamentos que recebemos.
Os quatro passos para a comunicação não violenta
Essas quatro etapas permitirão que você ordene e apresente sistematicamente o que você precisa transmitir ao seu interlocutor no momento em que há emoções envolvidas que podem obscurecer a mensagem.
No nosso exemplo a seguir, te convido a imaginar uma cena entre duas amigas que ficam sozinhas e uma delas quer contar à outra um comportamento que a fez se sentir mal.
O primeiro passo é “descrever objetivamente o que aconteceu”. É com a inibição e reflexão corretas que conseguimos expor a nossa realidade, para que o outro possa perceber de onde vem a nossa reação. Muitas vezes o foco do problema deriva deste primeiro ponto, uma vez que a mesma percepção da realidade não é compartilhada e também não sabemos como comunicar essa diferença fundamental.
No contexto do nosso exemplo, o diálogo pautado na CNV pode seguir nessa linha:
“Sabe, Maria, há uma coisa que eu gostaria de lhe contar. Você se lembra que sábado passado nos encontramos com alguns amigos na casa da Catarina? Bem, em um desses momentos, você compartilhou com todos eles um segredo que eu tinha confidenciado apenas a você.”
A segunda parte é puramente emocional. Isso explica e envolve o outro, dizendo como o episódio descrito na etapa anterior os fez sentir. Nesta parte deixamos a visão objetiva e utilizamos nossa auto-observação para poder identificar e dizer em palavras simples o que estamos sentindo neste momento. Nesse ponto, entra em jogo a capacidade empática de nosso interlocutor, o que não pode ser dado como certo e é necessário para que a conversa seja bidirecional.
“Expressão de sentimentos:”
“Isso me deixou bastante desconfortável e envergonhada. De repente, um assunto íntimo, foi exposto para todo o grupo e todos comentaram livremente. Desde então me sinto bastante desapontada e triste com você.”
O próximo passo para nos expressarmos de acordo com a Comunicação Não Violenta seria dizer do que preciso para não me sentir assim, ou seja, já expliquei como me sinto e agora estou dizendo como gostaria de me sentir em situações semelhantes no futuro. Isso é feito a partir de uma visão mais global e não dá muita atenção aos detalhes do que aconteceu recentemente, mas sim uma projeção de longo prazo.
Em seguida, vem a etapa da “expressão de necessidades”, no contexto que estamos explorando, pode ser: “Se eu te disse em segredo, é porque você é minha amiga e eu preciso saber que posso confiar meus problemas e dúvidas para você sem me expor ao julgamento de ninguém. Quero confiar em você.”
Por fim, fazemos um pedido formal a quem nos escuta como um plano de ação e compromisso para poder avançar neste aspecto e não permitir que tudo fique numa simples troca de percepções e crenças.
Nesse sentido, a “formulação do pedido” poderia ser: “Então, por favor, peço que não revele um segredo que eu contei apenas para você na frente de todo o grupo.”
Se a partir dessa comunicação honesta a amiga souber aceitar o que lhe foi transmitido, as duas poderão desfrutar de uma amizade plena e forte.
Como você pode ver, na Comunicação Não Violenta, a assertividade de si mesmo é praticada para poder expor nossa posição sobre o assunto, assim como a empatia é solicitada por parte do outro para poder compreender e aceitar outras percepções e crenças.
Esses tipos de cenas podem ser encontrados tanto em sua vida pessoal quanto no ambiente organizacional. Quantas vezes ao tentar resolver um problema o agravamos um pouco mais, dificultando ainda mais a convivência? Começar a praticar esses passos simples pode ajudar muito a melhorar e consolidar seus relacionamentos.
Como o assunto está longe de ser esgotado, quero compartilhar algumas dicas sobre como usar a CNV no seu dia a dia para te ajudar a estabelecer relações mais empáticas e saudáveis com as pessoas:
- Exercite a sua empatia. Coloque-se no lugar do outro, tentando entender os motivos pelo qual a pessoa se comportou de determinada maneira ao invés de julgar;
- Observe e não julgue as pessoas. Fazemos isso muitas vezes sem nos dar conta, como um reflexo diante de uma situação em que discordamos ou desconhecemos e o exercício é justamente esse, perceber em que momento esses julgamentos acontecem e se questionar: o que aconteceu que eu não vi? Ou o que será que motivou isso acontecer? Talvez não tenhamos intimidade para questionar o outro, mas podemos levantar essas hipóteses e nos apoiar na empatia para interagir de modo não violento com o outro;
- Pense com o seu coração, perdoe quem te ofendeu e perdoe a si mesmo por não conseguir o que deseja;
- Observe como você se sente em situações estressantes e tente ressignificar o ocorrido.;
- Use a empatia em todos os seus relacionamentos, seja falando ou ouvindo outra pessoa;
- Se você ouvir algo negativo sobre o seu trabalho ou atitude, respire fundo e trate as pessoas com empatia e cordialidade, não guarde rancor, nem devolva na mesma intensidade. Lembre-se que cada um oferece o que tem de melhor;
- Diga o que você pensa de maneira mais suave (não julgue, não critique, mas sim pondere e tenha uma comunicação empática);
- Trate as outras pessoas como gostaria de ser tratado;
- Sempre se apoie na honestidade consigo mesmo e com as outras pessoas;
- Faça atividades que você goste e que você escolheu fazer.
LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/priscilastuani/
— Priscila Stuani
Para saber mais sobre diversas perguntas que recebemos sobre as áreas de tradução, interpretação e revisão, leia este post.