Basicamente, um bom tradutor editorial precisa ter as mesmas características de um bom tradutor de qualquer área. Vou citar as principais neste post.

Quando você consegue a primeira tradução de um livro, dá um frio na barriga, aquele medo de fazer besteira, a sensação de “e agora?”. Isso é normal, mas vamos com calma para segurar essa ansiedade. Seguem algumas características importantes do bom tradutor e algumas dicas do que é importante para fazer um bom trabalho de tradução editorial.

Para começar, defina se o prazo estabelecido pela editora é viável (falei nisso no post sobre produtividade e prazos). É importante que você já tenha uma estimativa de quantas palavras ou laudas consegue traduzir por dia. Isso é essencial para saber se o prazo não é impossível. Claro que existem percalços, mas é importante saber se, em condições normais, você consegue cumprir o prazo estabelecido.

Quanto eu cobro?

Combine o preço da lauda antes de iniciar a tradução. Como diz o ditado, “o combinado não sai caro”. Só comece a traduzir se o preço for aceitável. Tente negociar e chegar pelo menos ao seu preço mínimo. Claro que você só vai saber seu preço mínimo depois que estiver no mercado há algum tempo. No início, tente pesquisar os valores de mercado e não aceite migalhas.

Disciplina é fundamental. Quem trabalha em casa precisa se acostumar a ter uma rotina de trabalho. Claro que essa rotina às vezes é quebrada por mil e um problemas, e precisamos contar com esses imprevistos quando calculamos ou aceitamos um prazo de entrega. Por exemplo, você precisa definir se vai trabalhar nos fins de semana ou não. Isso tem um grande impacto sobre a sua produtividade.

Estude português. Estude mais!

Saber português é essencial para qualquer tradutor. Se for trabalhar traduzindo de qualquer outro idioma para português, é importante saber mais português do que o idioma de origem, a partir do qual você vai traduzir. (Chamamos o idioma do original de “idioma de partida” e o idioma para o qual você vai traduzir de “idioma de chegada”.)

Todo tradutor tem que cultivar uma pulga que fica atrás da orelha. Temos que desconfiar de tudo que traduzimos, no sentido de prestar atenção a cada detalhe e ver se a frase traduzida faz sentido no idioma de chegada. Se a frase estiver estranha em português, confira se é possível melhorá-la. Costumo fazer isso na fase de revisão da tradução.

Caso: Uma vez eu estava fazendo a preparação do texto de um livro e encontrei a seguinte tradução: “Puxa, você vai queimar o óleo da meia-noite?” Eu nunca tinha ouvido falar na expressão “burn the midnight oil” em inglês, mas aquilo não fazia o menor sentido em português.
Fui ao dicionário e encontrei o significado. “Trabalhar até tarde” ou “levar trabalho para casa”. Se a pulga do tradutor estivesse bem adestrada, a expressão teria parecido esquisita em português e ele teria pesquisado e encontrado uma solução que fosse natural no nosso idioma.

Curiosidade é fundamental

É importantíssimo ser curioso e gostar de pesquisar. Tradutor que não gosta de pesquisar não tem sucesso. E não adianta pensar “ah, mas eu só vou traduzir romances, não vou precisar pesquisar nada”. Você é chamado para traduzir um romance e o mocinho é jogador de futebol americano! Lá vai você pesquisar os nomes de jogadas, de posições dos jogadores.

Já tive que pesquisar sobre assuntos bem diferentes, como sistema de adoção na Irlanda, sistema eleitoral nos Estados Unidos, bares de fetiche leather, bombeiros, agentes do FBI, espiões, corridas de rua, peças de veleiro. A lista é enorme!

Leia. Leia muuuuuito!

O tradutor editorial precisa ser um leitor voraz, precisa gostar muito de ler e sempre ler os estilos que quer traduzir. Tanto no idioma de partida quanto no idioma de chegada. E tanto livros traduzidos quanto livros escritos originalmente em português. É assim que a gente tem uma noção da linguagem usada nesses livros e do tipo de pesquisa que vai ter que fazer para traduzir determinado estilo.

Aprendemos muito quando lemos livros traduzidos por outras pessoas. Tenho amigos que gostam de comparar o original e a tradução para entender as escolhas do tradutor e aprender. Se você tiver tempo, faça isso. É um ótimo jeito de estudar tradução.

Perfeccionismo

Abra mão do perfeccionismo. Todo tradutor é um pouco perfeccionista e quer entregar o livro sem nenhum erro. Sempre é possível melhorar, mas, como temos um prazo a cumprir, precisamos abrir mão da perfeição. Todo texto tem erros e pode ser melhorado. Se você revisar o mesmo livro 50 vezes, tenho certeza de que vai mexer em alguma coisa nessas 50 vezes, nem que seja uma vírgula.

Só que a gente precisa cumprir os prazos, então não é possível revisar 50 vezes. (Sem contar que deve ser muito chato revisar o mesmo livro 50 vezes.)

Sua tradução vai passar por muitas mãos depois que você entregar o arquivo. Deixe de lado sua vontade de controlar o texto final. A cada etapa de revisão alguém vai mexer na sua tradução. Let it go!

O bom tradutor precisa ter coerência no texto. Imagine só você ler um livro em que “witch” é traduzido como “bruxa”, “maga” e “feiticeira” ao longo do livro. Escolha um termo e use sempre o mesmo no livro todo. E, como o texto é longo, essas coisas podem acontecer.

Ah! Glossários <3

Às vezes, pode ser interessante fazer um glossário para ajudar a manter a coerência dos termos principais do livro. Envie esse glossário à editora, pois isso vai ajudar o editor, o preparador, o revisor e todas as outras pessoas que trabalharem no mesmo livro. Se for um livro de fantasia, por exemplo, com palavras inventadas pelo autor, é essencial ter um glossário para definir todas as suas escolhas de termos.

Se for uma série de livros, é mais importante ainda ter um glossário para manter a uniformidade em todos os livros da série. Afinal, pode acontecer de você não estar disponível para traduzir um livro da série e esse livro ter que ser passado para outro tradutor. Se a série tiver um glossário, o próximo tradutor não terá dificuldade para manter os termos que você pesquisou com tanto carinho.

O bom tradutor editorial se preocupa com o estilo do autor, presta atenção nas vozes dos personagens e propõe soluções. Não dá para desprezar isso na tradução de um livro. Se o autor deu vozes diferentes a cada personagem, é necessário pelo menos tentar manter essas vozes. Converse com o editor e pergunte a opinião dele, mas já pensando em soluções. Não chegue para conversar tendo apenas perguntas e nenhuma resposta.

Seja paciente

Ter paciência é uma característica importante do bom tradutor editorial, já que os prazos são longos. Lembre-se que muitas vezes você vai ficar com o mesmo projeto durante meses.

Quando o livro tiver muitos desafios, entregue um relatório de tradução explicando todas as dificuldades que você encontrou no livro, explicando suas escolhas de termos, enviando algumas dúvidas que permaneceram apesar de você ter conversado com o editor.

Outra característica que as editoras consideram importante é o contato social. Ninguém gosta de ser maltratado, e os funcionários de editoras não são exceção. É muito mais agradável lidar com pessoas simpáticas do que com pessoas grossas. Não custa nada tratar bem as pessoas. Isso abre portas.

Prazo? De novo? Sim!

Quero reforçar mais uma vez a questão do prazo. O livro segue uma cadeia de produção e, se um dos elos dessa cadeia atrasar, o processo todo atrasa. E as editoras têm uma programação anual de lançamento de livros.

Não invente desculpas para não cumprir o prazo combinado. Não suma! Sumir só significa que você é irresponsável. Lembre-se que os editores podem ver suas publicações em redes sociais e descobrir que você estava viajando, mas disse que não cumpriu o prazo porque ficou doente. Não minta! Seja sincero, explique por que vai atrasar (de preferência antes do dia marcado para entregar o livro), peça desculpas e dê uma previsão de quando pode entregar a tradução. Isso tudo demonstra que você não está tentando enganar ninguém, só está enrolado ou teve algum imprevisto. Quando você some e simplesmente não dá nenhuma satisfação, passa a ideia de irresponsabilidade e inconsequência.

Nunca se esqueça da etapa de revisão da sua tradução. Nunca despreze essa etapa. Trate-a com o mesmo carinho e respeito que você trata a etapa de tradução. Passe sempre o corretor ortográfico antes de entregar o arquivo. Pode parecer bobagem, mas não é! Um texto desleixado, sem revisão, passa uma péssima impressão do tradutor e atrasa as etapas subsequentes de produção do livro.

Resumindo: estude, estude, estude! Leia, leia, leia! Passe o corretor ortográfico e revise sua tradução antes de entregar. Entregue no prazo. Seja simpático!

Confira mais sobre tradução literária e editorial no Blog do Ponte de Letras.

— Cláudia Mello Belhassof

Para saber mais sobre diversas perguntas que recebemos sobre as áreas de tradução, interpretação e revisão, leia este post.

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