Essa é a pergunta de um milhão de dólares, o grande segredo da humanidade, trancado a sete chaves! Mentira. Muita gente fala desse assunto, mas a grande verdade é que não é fácil entrar no mercado de tradução editorial, ainda mais no meio de uma crise do setor. Vou apresentar alguns caminhos que deram certo com pessoas que eu conheço, mas nada disso é garantia, obviamente.

Confiança

Tenha sempre em mente que a tradução é um trabalho de confiança. O editor precisa confiar na qualidade do tradutor e na capacidade de cumprir prazos (falei sobre isso no artigo “Produtividade e prazos”). Por isso, muitas vezes as editoras só querem trabalhar com os tradutores de sempre, com colaboradores que já trabalham para elas há muito tempo, que elas já conhecem.

Outra coisa que precisamos nos lembrar é que as editoras têm poucos funcionários, e alguns já estão sobrecarregados com as tarefas do dia a dia. Algumas editoras deixaram de terceirizar alguns serviços, como revisão, e passaram essa tarefa para os funcionários internos. (Vocês nem imaginam como é a correria dentro de uma editora!)

Ah, mas por que você está falando essas coisas num post sobre como entrar no mercado de tradução literária? Simples: porque as editoras não contratam sem aplicar um teste de tradução. E aplicar um teste de tradução significa escolher um texto, enviar para o candidato a tradutor e “corrigir” o teste, que normalmente envolve o primeiro capítulo de um livro (nem sempre é o livro que o editor quer traduzir naquele momento).

Tudo isso exige tempo, artigo cada vez mais raro nas editoras.

Curiosidade: É comum mandar um teste para uma editora e só ser chamado meses depois para traduzir. Isso acontece por falta de tempo para corrigir o teste ou porque a editora não está precisando de tradutores no momento em que você entregou o teste.

Currículos

1. Mande currículo para editoras. Este parece ser o caminho mais fácil, mas não é. Seu currículo nem sempre vai chegar à mesa ou à caixa de entrada de quem contrata tradutores na editora. Se você conseguir descobrir o nome ou o e-mail de quem contrata tradutores, maravilha! Suas chances de receber um teste aumentam muito. Mas é bem difícil conseguir esse e-mail direto.

Escreva um e-mail se apresentando, dizendo quais são as suas especialidades, quais são os gêneros que você não gostaria de traduzir (eu, por exemplo, detesto histórias de zumbi!), qual é a sua formação, por que você acha que seus serviços de tradução serão úteis etc. Não mande simplesmente o e-mail com o currículo anexado. Seja simpático!

Networking funciona

2. Faça networking. Conheça pessoas, marque presença em eventos como Bienal do Livro, lançamentos de livros, cursos, qualquer lugar em que as editoras estejam e você possa fazer contatos.

Mas – por favor! – não seja aquela pessoa chata que fica em cima dos funcionários das editoras enchendo a paciência, falando que você quer traduzir para eles, que você é o máximo, que eles não sabem o que estão perdendo sem você etc. Isso só tem um resultado: criar um baita ranço contra você.

Seja simpático, pegue o cartão de visitas da pessoa, pergunte se pode mandar seu currículo por e-mail, avise que está disposto a fazer um teste para ver se você se encaixa no perfil de tradutores da editora. Mas não tente ser o melhor amigo de infância da pessoa depois de três minutos de conversa. Aja com naturalidade e profissionalismo. Não force a amizade!

Dica: Em tempos de pandemia e isolamento social, o networking é feito em eventos on-line, lives com colegas de tradução, grupos de WhatsApp etc. O importante é não perder o contato com outros tradutores.

Cursos e eventos

3. Faça cursos e participe de congressos e palestras. Uma das melhores maneiras de conhecer pessoas é estar presente em cursos, congressos e palestras. Almoce com pessoas que você não conhece, tente se enturmar naturalmente, procure interesses em comum. Se você é tímido, tente vencer a timidez e puxar papo. Tudo isso ajuda a estabelecer contatos que podem render frutos. De novo, lembre-se de não forçar a barra!

Presença on-line

4. Tenha uma boa presença on-line. Siga editores no Twitter, no Facebook e no LinkedIn, puxe assunto, comente posts e tweets, fale sobre tradução nos seus perfis em redes sociais, compartilhe posts interessantes. Dê dicas gerais, dicas de cursos, fale dos seus gostos e das suas paixões, publique a capa dos livros que você traduziu. Tudo isso vai gerando um conhecimento sobre você.

Ter um site ajuda, pois nele você pode fazer sua divulgação. Você pode até ter uma seção de blog com novidades, artigos sobre tradução, comentários sobre livros que você leu.

Networking, networking, networking

5. Tente ser indicado por alguém de confiança da editora. Este é o grande pulo do gato, na verdade. Como eu disse ali em cima, a tradução é um trabalho de confiança. Se você chega por meio de uma indicação de alguém que já trabalha para a editora e em quem ela confia, suas chances de receber um teste aumentam muito.

“Ah, então é uma panelinha? Só os amigos serão contratados?” Não, mas, como eu disse, as editoras estão com os quadros de funcionários bem reduzidos, e o tempo para testar novos colaboradores está escasso, por isso a indicação tem um grande peso. Você já chega com um colaborador de confiança atestando que seu trabalho tem qualidade.

Apelo: Quando você já estiver estabelecido e quiser indicar alguém, não indique o sobrinho da sua melhor amiga que passou seis meses morando no exterior e sabe tudo de catalão só porque ele é sobrinho da sua melhor amiga. Conheça o trabalho da pessoa que você vai indicar e avalie se ela se encaixa no perfil de tradutores da editora.

Há outros caminhos

6. Faça preparação de textos ou revisão. Se você achar que tem capacidade para fazer preparação de textos (também conhecida como copidesque) ou revisão, pode ser uma ótima porta de entrada para as editoras. Muitas vezes, este é o segredo para começar a traduzir, pois a editora começa a conhecer seu trabalho e a ter um relacionamento com você. Se aparecer uma oportunidade para traduzir, pode ser que você seja chamado.

Caso: Foi assim que eu comecei. Fui indicada para ser preparadora de textos numa editora. Fiz o teste e recebi críticas duras, a ponto de eu achar que tinha sido reprovada, mas logo depois veio a pergunta “Quando você pode me entregar?”. E assim eu comecei a trabalhar para essa editora.

Um tempo depois, outra editora estava precisando de revisores, me candidatei e passei. Foi nessa editora que consegui minha primeira oportunidade para traduzir. (A maioria das editoras pede que o novo tradutor já tenha pelo menos um livro traduzido e publicado.)

Um belo dia, uma editora me ligou e me ofereceu a tradução de um livro infanto juvenil. Quase dei pulinhos de alegria. Daí em diante, não parei mais.

O que eu preciso saber?

Existem alguns conhecimentos básicos que um tradutor precisa ter antes de pensar em se aventurar no mercado editorial. Comentei algumas qualidades do bom tradutor no post “Como ser um bom tradutor”, mas vou acrescentar algumas coisas que não são tão pessoais, que são mais conhecimentos do que qualidades pessoais.

Laudas

1. Que bicho é esse? Onde vive? Do que se alimenta? Sexta no Gl… Ops! Nada disso! Vamos desmistificar esse “monstro de sete cabeças” aqui e agora.

Como vocês devem saber, antigamente existia um troço chamado máquina de escrever ou, como algumas crianças definem hoje, “um computador que já imprime enquanto você digita”.

A lauda nada mais é do que uma folha de papel A4 preenchida de cabo a rabo numa máquina de escrever. A ideia é ocupar cada linha com 70 caracteres e cada página com 30 linhas, resultando em 2.100 caracteres.Hoje, as editoras pagam as traduções de livros com base na lauda. Algumas editoras pagam por lauda de 2.000 caracteres, outras por lauda de 2.100, e também há aquelas que pagam por lauda de 1.700 caracteres. Não sei qual é o critério usado pelas editoras para escolher o tamanho da lauda, mas tudo isso é combinado antes de começarmos a traduzir.

Curiosidade: Os jornais também calculam assim o trabalho dos jornalistas, só que a lauda jornalística é um pouco menor, com cerca de 1.200 a 1.750 caracteres.

É antes ou depois?

“Mas a gente calcula a quantidade de laudas antes ou depois de traduzir?”

Essa é uma boa pergunta, porque, na tradução mais técnica, de manuais, folhetos, material promocional etc., é comum contar a quantidade de palavras antes da tradução. O cliente apresenta o material a ser traduzido e já contamos quantas palavras teremos que traduzir. Assim, é possível dar um orçamento com base no original.

Na tradução editorial, o processo é diferente. A contagem de laudas é feita depois da tradução, ou seja, é muito difícil dar um orçamento fechado antes de terminar de traduzir tudo. Claro que é possível ter uma ideia de quantas laudas o texto terá no final. Normalmente, o texto aumenta até uns 10% do original, mas o cálculo só é feito mesmo depois da conclusão do trabalho.

Quando o tradutor termina o texto, faz a contagem de caracteres e divide pelo tamanho da lauda combinada com a editora.

Números de novo? Sim!

Por exemplo, você traduziu o livro todo, chegou ao final e vai contar os caracteres.

Mas como é que a gente conta os caracteres de um texto?” No Word, que é o programa mais usado por tradutores editoriais, você clica no menu “Ferramentas” e, depois, em “Contagem de palavras”. Ou simplesmente clica na parte inferior esquerda do programa, onde aparece “XXX palavras” (o número de palavras do arquivo que está aberto no programa). Você vai ver uma janelinha como a seguinte:

Anote o número de caracteres (com espaços). Agora pegue esse número e divida pela quantidade de caracteres por lauda combinada com a editora que contratou você.

Exemplo: 177.711 caracteres / 2.000 = 88,8 laudas

Falta pouco…

Agora, pegue esse número e multiplique pelo valor de lauda combinado com a editora. Digamos que você tenha combinado de receber R$28,00 por lauda. Multiplique 88,8 laudas x R$28,00, chegando ao valor total a ser recebido (R$2.486,40, nesse caso).

Pronto, agora você já sabe o que é lauda e como cobrar por um livro traduzido. Fácil, não?

Dica: Não tente aumentar artificialmente a quantidade de laudas, por exemplo, escolhendo um sinônimo maior para uma palavra que é perfeita para o texto. Às vezes a palavra perfeita é seis, outras vezes é meia dúzia. Não use apenas meia dúzia no livro todo só porque tem mais caracteres e você vai ganhar 0,003 lauda a mais. Tudo bem, no fim do livro, com várias palavras maiores, talvez você consiga ganhar uma lauda a mais. Mas você não quer se queimar por tão pouco, quer?

Antes de entregar o arquivo, limpe todos os espaços duplos do texto e os espaços no fim dos parágrafos.

O Word tem uma ferramenta para quebrar a página, então não mude de página usando enter. Tudo isso engorda desnecessariamente o texto.

E quanto ganha?

Poxa, mas você não vai contar quanto ganha um tradutor editorial? Essa é a pergunta que todo mundo faz, mas a verdade é que cada editora tem um nível de preço. Existem valores razoáveis e valores que são pura exploração do nosso trabalho. Atualmente, pelo que as pessoas me contam, a lauda de 2.100 caracteres está variando entre R$ 25,00 e R$ 35,00, dependendo da editora, do tradutor e do livro. Algumas editoras pagam taxa de urgência quando precisam acelerar a tradução. (Por exemplo, quando querem fazer um lançamento simultâneo em todos os países onde o livro será lançado.)

Curiosidade: O tradutor que acabou de começar a traduzir para uma editora costuma ganhar um pouco menos do que o tradutor que já está há alguns anos na mesma editora, mesmo que o tradutor que está iniciando na editora seja mais experiente do que o tradutor que já trabalha para a editora há alguns anos. Afinal, a editora já conhece o trabalho de um e ainda vai conhecer o trabalho do outro.

Gêneros mil

2. Conheça o gênero que você quer traduzir. Leia muitos livros nesse gênero em português e em inglês, para captar as sutilezas e entender o nível de pesquisa necessário. Se você só lê livros de fantasia, vai ter mais dificuldade para traduzir um livro de romance, por exemplo. É importante ler muito e conhecer bem o gênero.

Curiosidade: Não há diferença de preço entre estilos ou gêneros literários, mas é claro que alguns estilos e gêneros são mais complexos, por isso as editoras acabam pagando valores diferentes.

Faça a lição de casa

3. Conheça a editora antes de mandar seu currículo. Se a editora só publica romances e você quer traduzir terror, não adianta nada mandar seu currículo. Também não adianta mandar currículo para uma editora que só publica autores nacionais, por motivos óbvios. Pesquise a linha editorial e só depois mande seu currículo.

Como eu disse antes, no e-mail de apresentação, explique por que você acha que seu trabalho será útil para aquela editora. Também é importante mandar uma lista dos livros que você traduziu e que têm a ver com a linha editorial daquela editora específica.

Dica: Nunca mande e-mail para uma editora dizendo “Ai, eu li o livro tal que vocês publicaram, e a tradução estava uma porcaria! Eu faria muito melhor! Me contratem!” Nunca tente se promover em cima do trabalho alheio. Lembra que eu falei do ranço? Este é mais um motivo para criar ranço contra você.

Formalização

4. Assine o contrato! Toda tradução de livro é acompanhada de um contrato de cessão de direitos autorais. Algumas editoras enviam esse contrato antes de você iniciar a tradução, e outras enviam depois. Isso é normal, pois cada editora tem seu processo de trabalho.

Curiosidade: Muita gente diz que o tradutor é coautor, mas o correto é dizer que o tradutor editorial é autor de obra derivada, conforme o Art. 29 da LDA, a Lei de Direitos Autorais.

Tenho que abrir empresa?

5. Trabalhe como pessoa física ou jurídica. O tradutor editorial pode trabalhar como pessoa física ou como pessoa jurídica, mas a cessão de direitos autorais é pessoal.

Um adendo muito importante: tradutor não pode ser MEI. Não tente enganar a Receita Federal usando MEI de revisor ou professor de idiomas para trabalhar como tradutor, mesmo que a editora diga que não tem problema. Se você for descoberto, a multa é retroativa e o prejuízo é grande!

Leia o manual de estilo

6. Peça sempre o manual de estilo da editora (e leia). É importante seguir as regras de estilo da editora. São padronizações como Sr. ou sr., números por extenso ou não, tipo de marcação para falas (travessão, meia-risca ou aspas). Esses detalhes são as regras da editora. Claro que sempre vai ter alguém para corrigir isso depois, mas o ideal é entregar o texto o mais adequado possível a essas regras.

Agora que você já sabe como entrar no mercado e o que precisa conhecer antes de começar, só posso desejar boa sorte!

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— Cláudia Mello Belhassof

Para saber mais sobre diversas perguntas que recebemos sobre as áreas de tradução, interpretação e revisão, leia este post.

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